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A Segurança no Golfo da Guiné e os interesses da UE e de Portugal

Atualizado: 7 de mar. de 2021

A região do Golfo da Guiné, onde Portugal tem indiscutíveis interesses estratégicos, transformou-se mais recentemente, em termos de pirataria marítima e do terrorismo, numa das áreas mais perigosas do globo. Portugal tem procurado contribuir para a segurança marítima na região, quer por via da nossa cooperação multilateral na União Europeia, quer pelo envolvimento bilateral com os cinco países de língua Portuguesa na região, quer bi-multilateralmente como produtor de segurança em África.



Hoje, tenho a honra e o prazer de convidar Luís Bernardino para o meu blogue sobre cidadania.


Militar, investigador no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, na vertente da segurança e defesa internacional, e acima de tudo um camarada com quem tive o prazer de privar durante mais de três anos, num Quartel General da NATO, na Holanda, apresenta aqui uma visão do esforço, tantas vezes desconhecido, de um Portugal novo, empenhado em reescrever a sua história, numa altura em que esta está cada vez mais a ser desafiada. Num mundo cada vez mais global, as relações internacionais e o multiculturalismo afirmam-se naturalmente no nosso espaço de cidadania, cidadania essa que cada vez mais cria pontes onde existem fronteiras.


Desde já os meus agradecimentos pessoais a Luís Bernardino por enriquecer este espaço.

Eduardo Baptista



Introdução


A designada região do Golfo da Guiné compreende uma zona na parte ocidental do continente Africano que se estende por cerca de 6000 km de linha de costa, envolvendo 19 países (arquipelágicos e continentais) e que liga o Senegal a norte e Angola a sul.



É uma das regiões mais relevantes no comércio marítimo global, onde diariamente circula um fluxo de cerca de 1500 navios de todo o tipo, transportando diversas mercadorias, com especial destaque para o petróleo e o gás natural. É também uma região que se tem tornado, nos últimos anos, como uma das regiões mais inseguras e voláteis em termos de segurança marítima no mundo, acontecendo quase diariamente roubos, raptos, atos de pirataria, banditismo e constituindo-se como o centro de gravidade das rotas de droga, armas e de tráfego humano que rumam especialmente à Europa.


Segundo dados do International Maritime Bureau (IBM)[1] em 2020 ocorreram nesta região 84 ataques no mar, e mais concretamente 22 abordagens de piratas, resultando 130 raptos de marinheiros (representando um aumento de mais do dobro das ocorrências em 2019) o que corresponde a cerca de 95% dos raptos em alto mar em todo o mundo. Neste contexto, e pelos referidos motivos, é uma região com uma geopolítica securitária distinta e multi-complexa num continente onde a segurança e os problemas relacionados com o terrorismo são uma presença constante. Uma região também onde muitos atores disputam uma presença e um maior protagonismo como produtores de segurança, onde a União Europeia e Portugal, são dois bons exemplos.

A Arquitetura de Segurança Marítima de Yaoundé


Em junho de 2013, os governos de países do Golfo da Guiné, assinaram em Yaoundé, nos Camarões, o designado "Código de Conduta relativo à repressão da pirataria, assalto à mão Armada contra navios e atividade marítima Ilícita na África Ocidental e Central", amplamente conhecido como "Código de Conduta Yaoundé". Instrumento securitário adaptado à Estratégia Marítima Integrada da União Africana 2050[2] e que tem feito progressos. O objetivo deste acordo é promover a cooperação marítima regional e colaborar para um ambiente marítimo mais estável e seguro, e que possa contribuir, em suma, para a segurança e desenvolvimento regional. De acordo com este Código de Conduta, os países signatários criaram centros regionais de partilha e coordenação de informação. Estes incluem o Centro de Coordenação Inter-regional (ICC) em Yaoundé, Camarões; Centro Regional de Segurança Marítima da África Ocidental (CRESMAO) em Abidjan, Costa do Marfim e o Centro Regional de Segurança Marítima da África Central (CRESMAC) em Pointe Noire no Congo.


Foram igualmente criados 19 centros de coordenação marítima multinacionais (CCMM) como centros zonais, incluindo Douala, abrangendo o Gabão, a Guiné Equatorial e os Camarões (Zona D); Cotonou, abrangendo a Nigéria, o Benim e o Togo (Zona E); e Acra, abrangendo Gana, Costa do Marfim, Libéria, Serra Leoa e Guiné (Zona F). Estão ainda em curso planos que deverão ser concluídos em breve, nomeadamente, os centros zonais adicionais em Luanda, abrangendo Angola, Congo e RDC (Zona A) e na Cidade da Praia, abrangendo a Guiné-Bissau, Senegal, Gâmbia e Cabo Verde (Zona G).


A Arquitetura de Segurança Marítima de Yaoundé é assim o principal instrumento para contribuir para a segurança marítima na região e garantir que as rotas e atividades marítimas decorrem em segurança, o que, como vimos, não tem acontecido. Neste contexto, a Arquitetura Securitária Marítima de Yaoundé tornou-se num instrumento de cooperação internacional, onde diversos atores têm procurado convergir as suas Estratégias e Planos de Ação, em paralelo com uma cooperação bilateral essencialmente de matriz linguística, nem sempre com resultados visíveis.


Neste âmbito, a União Europeia tem dedicado especial atenção à região do Golfo da Guiné, pois grande parte das ameaças e riscos à segurança europeia tem origem ou transitam por esta região, levando a UE estabelecer uma Estratégia Securitária e um Plano de Acão especifico para esta região, convergindo também os interesses de alguns Estados Europeus na região, com destaque para a França, Espanha e Portugal, entre outros, que despertam agora para esta realidade conjuntural, tais como o Reino Unido, Itália e Bélgica, naquilo que alguns especialistas designam como um “regresso” a África. Um bocadinho confuso.


O papel da União Europeia no Golfo da Guiné


A União Europeia está desde 2014[3] empenhada em contribuir para a melhoria da segurança marítima no Golfo da Guiné e em cooperar ativamente para o desenvolvimento de capacidades dos Estados costeiros da região. Apoio que se materializa num conjunto de programas e projetos centrados no quadro jurídico, nas atividades operacionais, na partilha de informações estratégicas e na formação, capacitação e no reforço das capacidades orientadas para a implementação da Estratégia e do Plano de Ação para o Golfo da Guiné. O financiamento provém tanto do Instrumento que contribui para a Segurança e a Paz (ICSP) como do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) em apoio dos países abrangidos pelo novo Acordo de Cotonu, atualmente em renegociação.


A UE tem se revelado desde 2014, mas mais concretamente desde 2020[4], quando o Conselho decidiu reforçar a presença militar no Golfo da Guiné e comprometer os Estados com um maior envolvimento militar na região, como um ator principal para a segurança do Golfo da Guiné. Neste quadro, reforçou a condição de um dos principais atores na região, procurando contribuir com projetos e operações navais, quase sempre por via de envelopes financeiros e envolvimento de meios navais no reforço da arquitetura de Yaoundé, com vista à maior capacitação das Marinhas de Guerra e Guardas Costeiras dos países e para o reforço da segurança marítima na região.


Neste contexto, e dando consequência à Estratégia Global da UE designada por “Bússola Estratégica”, a UE leva a efeito presentemente no Golfo da Guiné, envolvendo os países e as organizações regionais africanas diretamente envolvidas na arquitetura de Yaoundé.


Desde o início de 2021, Portugal assumiu a presidência do Conselho da União Europeia, constituindo-se também como uma prioridade o reforço da segurança marítima na região do Golfo da Guiné. Neste contexto, merece realce o estabelecimento das designadas “Presenças Marítimas Coordenadas” que procuram garantir uma presença continua e coordenada de meios navais dos países da UE nas águas do Golfo da Guiné. O exemplo foi dado por Portugal com o patrulha oceânico “Setúbal” com uma guarnição de 58 militares que vai permanecer nos mares do Golfo da Guiné 3 meses e para já, também da França através do seu porta-helicópteros “Dixmude”.


O papel de Portugal na segurança marítima do Golfo da Guiné


Apesar de se desconhecer a existência, um documento politico-estratégico orientado para os interesses de Portugal no Golfo da Guiné, esta região encontra-se numa elevada prioridade em termos de empenhamento das Forças Nacionais Destacadas e constitui, especialmente por via da nossa pertença à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), uma área com uma presença quase constante em termos de meios navais. Paralelamente, os programas de cooperação de Defesa com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) têm permitido a Portugal uma presença efetiva e muito reconhecida na região, contribuindo para a capacitação das Forças Armadas destes países, nomeadamente das suas Marinhas de Guerra ou Guardas Costeira e contribuindo, indiretamente, para a segurança marítima na região do Golfo da Guiné.


Por via da CPLP, Portugal tem contribuído para uma maior reflexão e monitorização dos problemas da pirataria e do banditismo no mar e pretende constituir-se como nação líder na dinamização de uma reflexão conjunta sobre esta região, nomeadamente pela ação futura do “Atlantic Centre” e também pela ação do Centro de Análise Estratégica (CAE)[5] da CPLP, que está sediado em Maputo.


Para além de que, no âmbito do Fórum das Marinhas da CPLP, esta temática tem sido uma constante e permitido um maior envolvimento estratégico-operacional na região do Golfo da Guiné. Paralelamente, tem vindo a contribuir para se refletir sobre a possibilidade de vocacionar os Exercício Militar anuais “Felino” para a região do Golfo da Guiné (conferindo-lhe uma maior dinâmica em termos de componente naval), podendo, em determinada medida, contribuir para aumentar a presença de meios navais (e aéreos) na região, projetando Portugal e a CPLP neste contexto.


Por outro lado, a presença (por convite) de Portugal no G7+++ Friends of GG[6] têm permitido, em fóruns de alto nível, valorizar a presença e o contributo de Portugal para a segurança marítima na região do Golfo da Guiné.


Em termos diplomáticos a rede de embaixadas e consulados (Rede Diplomática) e a nomeação de embaixadores para todos os PALOP e alguns países da linha costeira do Golfo da Guiné (Nigéria e Senegal) reflete a importância que Portugal atribui a esta região. Das 76 embaixadas que Portugal tem espalhadas pelo mundo, cerca de 25% encontram-se em África (20) e destas, 7 encontram-se na região do Golfo da Guiné. Com destaque para a presença de Adidos Militares e de Defesa em todos os PALOP e a relativamente recente abertura de embaixada na Guiné Equatorial, muito por via da adesão deste país à CPLP em 2014. A diplomacia portuguesa na região tem assim contribuído para uma maior visibilidade de Portugal numa área essencialmente francófona e tem possibilitado conquistar uma ligação privilegiada com a UE no domínio do apoio à política europeia de segurança e defesa.


Em termos económicos, a presença de empresas e empresários portugueses na região do Golfo da Guiné, à exceção dos PALOP (com especial destaque para Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe) e cada vez mais na Guiné Equatorial (pela ligação à CPLP), é praticamente inexistente, não havendo uma predisposição do tecido empresarial Português, nem das nossas Indústrias de Defesa (nomeadamente da indústria naval) para investirem nesta região (salvo raras exceções). Aspeto que surpreende por quando a boa e consistente presença Diplomática e de Defesa nos países da região do Golfo da Guiné parece potenciar o envolvimento do sector do Desenvolvimento (na equação dos 3 D´s) e dando assim corpo a uma estratégia nacional integrada e coerente, concretamente com o esforço nacional de um maior envolvimento na segurança marítima na região.


O futuro pós-covid-19 parece apontar para um reforço da presença de Portugal nos 3 D´s na região do Golfo da Guiné, potenciando uma cooperação bilateral clássica com um maior envolvimento multilateral. Embora que os desafios da cooperação global exigem uma maior dinâmica e um maior envolvimento estratégico que só é possível com uma cooperação “bi-multilateral”. Esta envolve e reforça uma cooperação bilateral com um maior envolvimento e dinamização destes países no seio das organizações regionais onde conjunturalmente se integram, e neste caso do Golfo da Guiné implica uma maior ligação à Arquitetura Marítima de Yaoundé. Esperemos que assim seja e que Portugal saia reforçado na ligação aos países da região, nomeadamente os PALOP e à UE, no papel que lhe cabe de facilitador e produtor de segurança marítima em África.


Conclusões


O Golfo da Guiné é das regiões com maior índice de insegurança no globo, embora tenha ganho maior protagonismo na economia global, pois muito da sua geopolítica energética é devida, essencialmente, ao comércio de petróleo e gás natural. Neste contexto, múltiplos atores têm procurado envolver-se na busca de soluções para o terrorismo, o banditismo, o tráfego ilegal e a criminalidade associada à pirataria e ao rapto de marinheiros em alto mar, que tem constituído um dos múltiplos flagelos que afetam a segurança na região.


Assim, o contributo para o reforço das Marinhas de Guerra (ou Guardas Costeiras) dos países da região e da Arquitetura de Segurança Marítima de Yaoundé é um contributo para a segurança marítima na região e, consequentemente, para a segurança global. Este paradigma securitário tem levado países e organizações a se empenharem crescentemente na região, nomeadamente a UE e Portugal (entre outros países europeus) que vêm reforçando a presença de meios navais na região e atribuindo envelopes financeiros com vista a contribuir para projetos de capacitação no intuito de tornar mais interoperável e operacional a arquitetura de Yaoundé e contribuir assim para o reforço da segurança marítima na região.


Para a UE é uma consequência logica da sua Estratégia de Segurança e uma “obrigação” no princípio de procurar resolver os problemas para a segurança da Europa onde eles potencialmente nascem ou residem, trabalhando por antecipação e afirmando-se, cada vez mais, como um produtor de segurança global.


Para Portugal é o reforço de uma ligação histórica e uma procura de afirmação num contexto liderado pela francofonia, impondo uma presença Diplomática e de Defesa (e cada vez mais nas atividades de Desenvolvimento) mais consentânea com os objetivos nacionais e em nome de um Portugal produtor de segurança regional em África.


Lisboa, 06 de março de 2021

Luís Manuel Brás Bernardino[7]

[1] https://www.icc-ccs.org/piracy-reporting-centre [2] https://www.revistamilitar.pt/artigo/1024 [3] https://www.consilium.europa.eu/media/28731/141592.pdf [4]https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-8910-2020- INIT/pt/pdf [5] O Centro de Análise Estratégica da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa, abreviadamente designado por CAE/CPLP, é um Órgão da componente de Defesa da CPLP, responsável pela pesquisa, pelo estudo e pela difusão de conhecimentos, no domínio da Estratégia, com interesse para os objetivos da Comunidade. https://caecplp.org [6]https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/area-de-governo/negocios- estrangeiros/informacao-adicional/g7-fogg.aspx [7] bernardino.lmb@hotmail.com



LUÍS BERNARDINO


Luís Manuel Brás Bernardino é Tenente-Coronel de Infantaria do Exército Português com o Curso de Estado-Maior.

Foi Assessor do General CEMGFA, Professor de Estratégia e Relações Internacionais na Academia Militar e desempenhou entre 2017 e 2021 funções no J2 no NATO Joint Force Command Brunssum (JFCBS)na Holanda. Detém um Mestrado em Estratégia (2007) e um Doutoramento (2012) em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Desenvolve investigação no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa na vertente da segurança e defesa internacional, especialmente em África e na CPLP.

Membro da Comissão de Relações Internacionais da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Direção da Revista Militar e Professor visitante na Universidade Lusíada em Angola.

Participa regularmente em seminários nacionais e internacionais e publica regularmente artigos em revistas da especialidade sobre a temática da segurança e defesa em África.

É autor entre outras obras do livro “A Arquitectura de Defesa na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa” editado pelo Instituto de Defesa Nacional de Portugal (2012).

Atualmente é Professor no Instituto Universitário Militar em Lisboa.





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